A palavra da cruz é loucura para aqueles e aquelas que perecem; mas para nós, é o poder de Deus. I Coríntios 1.18
Alguém já disse que mais louco é quem dá atenção e importância ao biruta. Afino-me com este pensamento, mas não posso deixar de perceber: como tem aumentado o número deles!
Alguém dirá: – Pois é! Um louco reconhece o outro.
Concordarei resignado. É isso mesmo. Nosso olhar é mais sensível ao igual.
Contudo, penso que há alguns tipos de loucura e honestamente acredito me enquadrar no mais inofensivo, ou seja, com aquela típica de quem ri de si mesmo e dá gargalhadas falando de seus próprios tropeços, dobrando-se para o chão de dor na barriga. Essa é a loucura média, que não tem código internacional e que pode acometer qualquer um de nós numa tarde ruim ou muito boa. São sinais claros desta loucura o falar sozinho, cantarolar no trem uma música da infância, perguntar se a companheira de um conhecido é filha, trocar nomes, embargar lendo novamente um trecho de “O velho do espelho”, ou, ainda, curtir (muito) Roberto Carlos.
Sou diagnosticado entre esses. Réu confesso, eu rio sozinho andando na rua com qualquer memória boba. O que se vai fazer? Quem nunca?
Mas aqui quero dizer do meu espanto com o outro lado da loucura. É essa que me traz à bic nesta tarde. Essa com a qual todos nós temos que lidar diariamente. Uma loucura que testa nossa própria alegria e que nenhuma graça tem: a loucura que ganha caminhos obscuros dentro do ser humano e o torna uma pessoa má, em vias de tornar-se desprezível.
Quem nunca foi golpeado por uma palavra áspera ou por um comportamento violento, ácido, deselegante?
Parece-me, repito, que essa loucura tem tomado o espaço na contemporaneidade. É tanta gente armada, carrancuda, hostil!
Não! Penso que não é na mente das pessoas que este tipo específico de loucura faz morada. O que estou colocando aqui, nem de um lado nem do outro, faz menção ao universo da psiquê, mesmo por que não tenho as ferramentas para entrar por este caminho.
Me refiro ao que vai no coração. Me refiro ao caminho cinza que leva as pessoas à loucura do mau-querer, da grosseria, da rudez, da falta de educação e da perda gradual da própria humanidade. A humanidade pressupõe a capacidade de conviver e de, se necessário, conversar sobre suas dores, dissabores e mágoas. A humanidade nos dá a capacidade de realinhar relacionamentos. A humanidade nos dá a capacidade de ressurgir mais belos.
Essa loucura a que me refiro é perigosa por que não há inocência nela. Os acometidos por ela não cantam, nem sorriem. Pelo contrário, são entregues ao esforço de ferir, retaliar e produzir dor. Pobre gente! Estão perdendo o melhor. Não percebem, mas estão “enfeiando” a estrada por onde tem de passar.
Meus botões e eu tendemos a concluir que gente assim se lança ao isolamento debaixo desta carapaça de espinhos, costurada por ressentimentos alimentados. Sim! Há quem trate ressentimento como se fosse de estimação, cuidando para que siga ali, junto, dentro de si, em lugares preciosos que poderiam ser ocupados por coisa decente.
– Ah, esses loucos estão do lado errado! Fizeram a pior escolha! – fico pensando.
Se dessem uma chance à boa “loucura”! Se trocassem uma pela outra. Se abrissem as janelas do coração para novos ventos de concórdia. Se permitissem a si mesmo o reencontro com a ternura. Se acolhessem mais o contraditório. Se deixassem de acreditar que são melhores ou piores. Se prestassem atenção às urgências importantes da vida. Se percebessem que todos nós estamos no mesmo barco e que há uma tempestade e uma bonança para cada um, todos os dias.
– Ah, esses loucos!
De minha parte coloco a mão no peito e reafirmo solenemente:
– Escolho a boa loucura, o bem-querer e as músicas do Roberto!
Viverei meus dias assim. Prefiro ser visto como um louco dos mais bobos do que perder meus dias insistindo em morrer.
O sinal maior desta escolha será entregar-me à loucura de todas as loucuras que é a loucura do perdão. Fiz uma escolha há muito tempo que não me dá outra possibilidade senão essa.
Referências sugeridas para leitura:
1. Assis M. O alienista. São Paulo: Ática. 2000.
2. Quintana M. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar. 2005.
Contato:
E-mail: rottercavalheiro@gmail.com