A medicina tradicional africana e a saúde da população negra: por um cuidado decolonial

As práticas ancestrais africanas são cercadas de muito preconceito, discriminação e racismo. Posso atribuir tal fato a força da estrutura patriarcal, branca, eurocêntrica e cristã advindas da colonização. Tal premissa nos traz questões caras para o cuidado da população negra e para a enfermagem. A exclusão da cultura africana nos espaços acadêmicos e de formação em saúde universalizou e imprimiu uma forma única “neutra” e “democrática” de cuidar.
As expressões em destaque, apontam de um modo irônico ao mito da neutralidade e democracia e racial brasileira que insiste em dizer que não diferença na humanidade, afinal “somos todos iguais”. Biologicamente, não há dúvidas disso, entretanto existem as sociedades dos privilégios que diferenciam e criam barreiras de acesso para alguns grupos em detrimento à outros. O racismo foi um desses, pois fez distinção e exclui as pessoas não brancas dessa universalidade e humanidade.
A historicidade desses fatos nos ajuda a compreender que os povos africanos trazidos em diáspora para o brasil foram rebaixados a condição de objetos, seus corpos foram utilizados e submetidos a diversas formas de violência e exploração, ou seja, foram escravizados. Eis as questões: Como pensar a saúde integral das populações negras que por mais de 300 anos estavam objetificadas?  Que referência africana se constituiu no cuidado em saúde para a enfermagem e demais profissões no brasil? O que sabemos sobre a medicina tradicional africana e os cuidados afrorrefenciados?
Embora a saúde seja um direito constitucional desde 1988, mas foi em 1990, através da lei 8.080 que consolidou Sistema Único de Saúde (SUS) como política nacional de saúde. Dentre suas diretrizes estão a integralidade, universalidade e equidade. Passado alguns anos de sua implementação, o que se percebeu que esses princípios tiveram pouca incidência sobre alguns grupos populacionais. A tão esperada universalidade e equidade para a saúde da população negra se apresentou bem tímida e   marcada por ações racistas. Um “bom” exemplo dessa situação é o racismo obstétrico tão falado nos últimos anos.
O movimento negro sempre esteve atento e lutando para superação dessas iniquidades na saúde e como resultado no ano de 2006 a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) e foi instituída pelo Ministério da Saúde através da Portaria GM/MS nº 992 em 2009. “O objetivo da PNSIPN é promover a saúde integral da população negra, combatendo o racismo e reduzindo as desigualdades étnico-raciais e a discriminação.”
A PNSIPN ainda hoje tem muita dificuldade de ser implementada plenamente no SUS. O racismo estrutural se mantém na formação, gestão e assistência. Os cursos, as instituições de ensino superior implementaram em seus currículos disciplinas e conteúdos antirracistas para introdução da PNSIPN. E por outro lado as instituições de saúde poderiam instituir espaços de educação permanente para consolidação da política.
Outro ponto que destaco é sobre a necessidade de um cuidado em saúde que seja intercultural e que vise conectar teorias e práticas afrorreferenciadas e assim se incorporar ao SUS a diversidade que se constitui o Brasil. Os modos de pensar e fazer saúde não são uma exclusividade euramericana. No entanto o que se vê como política é essa referência como universal colonial. Culturas diferentes apresentam formas diversas para o cuidado da saúde e o enfretamento das doenças.
Dessa forma, seria profícuo um encontro transversal e intercultural que seja capaz de integrar as possibilidades e oferecer outras e novas configurações que sejam capazes de garantir a universalidade e a equidade para o SUS. A proposição que fica nessa coluna é que precisamos decolonizar nossa maneira de cuidar para que todas as pessoas sejam de fato atendidas e assistidas de modo singular ampliado e equânime.

Referências sugeridas para leitura
1. Barros FPC, Sousa MF. Equidade: seus conceitos, significações e implicações para o SUS. São Paulo: Saúde e Sociedade. 2016; 25(1):9-18.
2. Batista LE, Monteiro RB, Medeiros RA. Iniquidades raciais e saúde: o ciclo da política de saúde da população negra. Rio de Janeiro: Saúde em Debate. 2013; 37(99):681-690.
3. Brasil. Lei 8080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União. 20 set 1990.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 992, de 13 de maio de 2009. Institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Brasília, DF, 2009. Acesso em 10 ago 2024. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt0992_13_05_2009.html
5. Cruz ICF. A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra – PNSIPN na Atenção Primária à Saúde (Digital): promovendo a equidade no ponto do cuidado. Boletim NEPAE-NESEN. 2021; 18(1). Acesso em 19 ago 2024. Disponível em: http://www.jsncare.uff.br/index.php/bnn/article/view/3427/905

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